
Ela avistou o espectro de Murilo, próximo às árvores da pracinha, em cima da moto, como costumava estar nas manhãs de domingo. O coração doente disparou e uma náusea mais forte a fez parar, agarrando o braço do pai.
O vestido branco arrastou-se entre as pétalas de rosas brancas a cobrir parte do trecho da calçada e da escadaria da capela barroca. A ária de Bach já inundava o espaço com uma sequência de acordes suaves e juvenis. Os últimos degraus se fizeram intermináveis e a porta cresceu diante de suas 16 primaveras mal vividas.
Os adornos de lírios e rosas suavizavam o tom escuro dos bancos centenários de ébano. Os convidados sustentavam um ar de felicidade incomum.
Sentiu-se frágil, quase sem ar. Você está linda, minha filha! Avistou a mãe. Passou os olhos e percebeu os parentes vindos de longe. Esse é um momento importante em nossa família, filha. Será o casamento do ano.
Cruzou o corredor atenta aos detalhes dos ladrilhos desenhados em tons amarelos, ocres e verdes dançando na memória do ritmo da valsa que ensaiara um dia antes. O amigo de infância do pai a esperava em frente ao altar. As lágrimas de Laura verteram.
Os anjos pálidos de gesso, ladeando o altar, abriram seus olhos e estenderam os braços de estátuas em sua direção.
Pensou em Murilo a esperar por ela e um aperto no peito a tomou de abraço. O padre não abençoou as alianças. Os sinos sequer dobraram em felicidade. Sua alma, sim, ressoou e correu porta a fora ao encontro do jovem, agarrando-se a ele em cima da moto.
Para ler os outros microcontos do desafio, acesse AS CONTISTAS