


Vasculhou as prateleiras aéreas. Encontrou biscoitos e pão. Abriu o refrigerador. Separou a carne, embalando-a em um recipiente de plástico. Depois, o queijo, em outro, e o leite. Várias caixas de leite. Juntou um dos guardanapos maiores e colocou dentro da cesta. Organizou os itens lado a lado. Abriu as portas do balcão debaixo e retirou algumas latas de conserva. Abriu-as, colocando o conteúdo em outro pote. No dia seguinte, precisaria fazer uma visita ao supermercado.
A mãe, sentada à janela, recostada na cadeira estofada, segurava o cordão de contas e dividia a atenção entre o jardim multicolorido em seus desenhos labirínticos e a movimentação do filho. “Caprichoso”, sempre pensava, lembrando-se em como a delicadeza fazia parte da vida de Anton. Desde criança, em pequenas incursões pelos arredores, juntando coisas, analisando, fazendo experiências. Depois, adulto, os estudos mais complicados, o amontoado de livros, de vidros, de líquidos coloridos, seguindo os passos do pai.
O pai… O pai sentiria orgulho. Um filho inteligente, recluso, mas inteligente, dono de uma propriedade daquele tamanho, comprada com o trabalho de pesquisa realizado naquelas grandes corporações industriais. Ao vê-lo assim, homem feito, dono de uma pequena fortuna, sim, o pai encheria o peito e sustentaria o mesmo olhar altivo da época em que arrecadava reconhecimento pelas descobertas químicas.
― Eu não me demoro ― beijou-a na testa. ― Vou até o cercado 3.
― O cercado 3?
― É, mãe. Preciso alimentar os dinossauros.
Ela o segurou pelo braço e disse a única coisa que era possível dizer.
― Tenha cuidado.
Esse post foi o primeiro post editado nesse blog depois da reestruturação. Com a lembrança de que são nove anos de blog, sendo os primeiros anos de leitura e comentários, e deletados os anos anteriores, porque havia muita coisa precisando de revisão, esse texto é um marco pra mim.
Hoje, esse espaço completa 9 anos de existência. Muitas coisas já aconteceram em minha trajetória de escrita. Muitos contos, livros, poemas, textos… Esse espaço é um pedaço daquilo que sou como pessoa, porque seria impossível separar o que eu sou, a minha vivência, o meu entendimento de mundo, das coisas que crio tanto em imagem quanto em escrita.
Essa publicação é para dizer da alegria que tenho em estar aqui e agradecer a cada um aos leitores presentes, que seguem, curtem, comentam e compartilham as publicações.
Gratidão!
O Navegador
William Eduard Phillip Kay III era navegador, assim como seu pai foi, e como o pai de seu pai, e os que o antecederam. Cruzar sistemas solares, passar por nuvens de meteoritos, atravessar a cauda gasosa de cometas o fazia estufar o peito e inflar o ego. Sua nave, carinhosamente apelidada de Bai, era um mecanismo híbrido, meio máquina, meio bicho, coisa antiga comparada com as intergalácticas Reeves ou com as Elons. A vantagem de Bai era a capacidade de se metamorfosear, de acionar sua transluscência ajustando-se convenientemente a qualquer ambiente ou situação. Não existiam naves iguais a ela – único exemplar construído pelo bisavô, lendário desbravador espacial – por isso, cobiçada por muitos. Fato exemplar: seu hibridismo estava associado ao DNA de seu criador e, portanto, apenas descendentes diretos ou indiretos de Kat I conseguiam comandar seus motores.
Billy Kay, como era conhecido, não se considerava mercenário; era apenas um homem com interesses vinculados à moeda de maior cotação do universo conhecido, o musk. Um único musk comprava meia dezena de intergalácticas. Como explorador, garimpava artefatos em planetas mortos, cujas civilizações haviam sido destruídas, ou por catástrofes naturais, ou por guerras entre seus habitantes. Guiava-se por cartas celestes, que continham as rotas mapeadas pelo pai e os registros de viajantes, historiadores de planetas onde a possibilidade de haver algum objeto de valor era grande. Mantinha-se fora de confusões, muito embora elas o perseguissem onde quer que estivesse.
Quando Bai acionou os alertas e o modo transluscência estavam entre a Anã do Cão Maior e Andrômeda. Em seus radares holográficos multicoloridos, mais de uma centena de pontos móveis grandes e pequenos. A zona era neutra, contudo, a formação em V dos grupos de pontilhado indicava uma frota de guerra Centauro.
O Coração de Sayuri
A floresta da Solidão é uma floresta fechada, com árvores frondosas e poucas trilhas internas. Existem muitas cavernas desconhecidas cujos caminhos se bifurcam fazendo os exploradores se perderem em seu interior.
Haiato, homem maduro, já experiente pelas inúmeras viagens exploratórias, conhece as florestas de muitos lugares como a palma de sua mão. Desde adolescente, mapeia a geografia de lugares misteriosos, cujas histórias estão envoltas em fatos extraordinários ou incomuns. É sua especialidade e sua única paixão.
Está prestes a empreender uma jornada pela Solidão enumerando as aberturas em torno da montanha que a acolhe. Os moradores dos arredores relataram as tragédias e atribuem os desaparecimentos a uma jovem, Sayuri.
― É a dama da Solidão. Se a vir, não a siga. Apenas deixe-a onde a encontrar – advertiu o homem grisalho.
― É um fantasma?
― Ela carrega o coração da montanha. Não se apaixone.
Haiato é corajoso e prudente. Não acredita em sobrenatural e inicia sua jornada pela trilha mais visível. Vai desenhando seu próprio mapa, fazendo anotações sobre o papel do último registro geográfico feito, coisa de mais de dez anos. O mapa, já amarelado, contém meia dúzia de linhas. Ele espera completar os registros e apresentar o mapa ao contratante em menos de um ano, média de tempo já calculada.
Os primeiros dias foram tranquilos. Saia cedo do acampamento próximo à vila, trilhava até atingir determinada distância e retornava à noite. A medida em que adentrava a mata, sentia as horas acelerarem. Suas marcações diárias eram sempre as mesmas, mas a escuridão da noite engolia o dia cada vez mais rapidamente.
Decidiu pernoitar, montar acampamento no ponto de parada do dia e seguir pela manhã para ganhar tempo. E foi na segunda noite que tudo aconteceu.
Créditos das imagens: Evelyn Postali
Passando para mostrar o selo recebido da ABERST e lembrar que Fuligem, semifinalista do IV Prêmio Aberst de Literatura, Prêmio Rubem Fonseca, narrativa longa de ficção de crime, está disponível na loja da Caligo Editora – versão física – e … Continuar lendo
Muito feliz e grata pelo dia de hoje. Fuligem, ficção policial de minha autoria, é semifinalista do IV Prêmio ABERST de Literatura na categoria narrativa longa de crime. Prêmio Ruben Fonseca. Gratidão aos apoiadores dessa minha jornada. Não existem palavras para dizer da felicidade e sentimento de realização.
#premioaberstdeliteratura #ficçãopolicial #literaturanacional #livro #gratidão
Samara encontrou-o no fundo de uma gaveta, na escrivaninha do avô, quando seu pai e tios juntavam coisas e separavam para doação depois da morte do avô. Um relógio antigo, de corda, cujo ponteiro maior se encontrava fora do eixo, … Continuar lendo
O Olho de Abadiy
“Contam os mais antigos que no coração da Montanha Azulada, no centro da Ilha de Dunya, existe um dragão. Seu nome é Abadiy. Ele guarda a Eternidade. Controla o tempo e o que nele transcorre. Ele possui o poder de despertar o Fim. Por isso, dorme com um dos olhos abertos.
O olho, de azul turquesa cintilante, é multifacetado e é a segurança da Vida. Cada pedaço cristalino da orbe é a alma de alguém e, cada uma delas é única e possui um único nome. O conjunto, compõe o Infinito e é protegido pela criatura.
Quando o olho de Abadiy fechar, tudo o que possuir uma alma, toda a criatura, todo o ser vivo, fará parte dele e dormirá para sempre.”
— Existe um mapa para se chegar até essa ilha, vovô?
— Muitos procuraram, mas em vão.
— Abadiy possui a minha alma?
— A sua, a minha, a de todos.
— Quando eu crescer dominarei esse dragão.
O avô cobriu de peles o pequeno Nakhob, resmungou um ‘vá dormir’ e levou com ele o Fogo. Do lado de fora da tenda, as estrelas pontilhavam o céu e as luas se alinhavam no horizonte.
A flor de Tul’la
Circe conhecia o poder das plantas e minerais de Althea. Guardava o conhecimento de Ganan em um livro, de páginas amareladas, dentro de um baú, escondido em seus aposentos. Mantinha-o longe das vistas de todos, especialmente do soberano que a acolhera na juventude por amor à sua mãe, Shadall. O livro continha receitas cuja leitura apenas podia ser feita à luz da luz minguante, uma vez por mês, e apenas ela decifrava as inscrições, conhecimento adquirido em tenra idade. Os chás e temperos de Circe complementavam apenas os pratos servidos ao soberano. Enquanto ele renovava-se e mantinha-se com saúde plena e corpo vigoroso, a corte envelhecia em tempo real, dando lugar a sucessores ambiciosos. Circe amava Ronnin, seu rei e protetor, por isso, os inimigos do rei tinham vida curta.
O veneno preparado por Circe vinha de Tul’la, uma flor branca, emergida dos lagos ao sul do castelo, perto do mar. Para ter o efeito desejado, era preciso colhê-la entre o pôr-do-sol e a lua cheia e recitar o verso do livro.
Tul’la blóm,
Milli sólar og tungls,
Milli dauða og lífs.
Snúðu nóttinni,
Snúðu deginum,
Látum réttlætið ná fram að ganga.
Créditos das imagens: Evelyn Postali
Caligo Editora lançou hoje uma campanha de financiamento coletivo no site Catarse com vários e-books, entre eles, Mulheres em Verbo, livro de contos do coletivo As Contistas, do qual faço parte. Esse financiamento é imperdível. Aproveita, dá uma lida nas … Continuar lendo
O Olho de Abadiy
“Contam os mais antigos que no coração da Montanha Azulada, no centro da Ilha de Dunya, existe um dragão. Seu nome é Abadiy. Ele guarda a Eternidade. Controla o tempo e o que nele transcorre. Ele possui o poder de despertar o Fim. Por isso, dorme com um dos olhos abertos.
O olho, de azul turquesa cintilante, é multifacetado e é a segurança da Vida. Cada pedaço cristalino da orbe é a alma de alguém e, cada uma delas é única e possui um único nome. O conjunto, compõe o Infinito e é protegido pela criatura.
Quando o olho de Abadiy fechar, tudo o que possuir uma alma, toda a criatura, todo o ser vivo, fará parte dele e dormirá para sempre.”
— Existe um mapa para se chegar até essa ilha, vovô?
— Muitos procuraram, mas em vão.
— Abadiy possui a minha alma?
— A sua, a minha, a de todos.
— Quando eu crescer dominarei esse dragão.
O avô cobriu de peles o pequeno Nakhob, resmungou um ‘vá dormir’ e levou com ele o Fogo. Do lado de fora da tenda, as estrelas pontilhavam o céu e as luas se alinhavam no horizonte.
A flor de Tul’la
Circe conhecia o poder das plantas e minerais de Althea. Guardava o conhecimento de Ganan em um livro, de páginas amareladas, dentro de um baú, escondido em seus aposentos. Mantinha-o longe das vistas de todos, especialmente do soberano que a acolhera na juventude por amor à sua mãe, Shadall. O livro continha receitas cuja leitura apenas podia ser feita à luz da luz minguante, uma vez por mês, e apenas ela decifrava as inscrições, conhecimento adquirido em tenra idade. Os chás e temperos de Circe complementavam apenas os pratos servidos ao soberano. Enquanto ele renovava-se e mantinha-se com saúde plena e corpo vigoroso, a corte envelhecia em tempo real, dando lugar a sucessores ambiciosos. Circe amava Ronnin, seu rei e protetor, por isso, os inimigos do rei tinham vida curta.
O veneno preparado por Circe vinha de Tul’la, uma flor branca, emergida dos lagos ao sul do castelo, perto do mar. Para ter o efeito desejado, era preciso colhê-la entre o pôr-do-sol e a lua cheia e recitar o verso do livro.
Tul’la blóm,
Milli sólar og tungls,
Milli dauða og lífs.
Snúðu nóttinni,
Snúðu deginum,
Látum réttlætið ná fram að ganga.
Nota:
Flor de Tul’la,
Entre o sol e a lua,
Entre a morte e a vida.
Vire a noite,
Vire o dia,
Que a justiça seja feita.
Créditos das imagens: Evelyn Postali