
O Navegador
William Eduard Phillip Kay III era navegador, assim como seu pai foi, e como o pai de seu pai, e os que o antecederam. Cruzar sistemas solares, passar por nuvens de meteoritos, atravessar a cauda gasosa de cometas o fazia estufar o peito e inflar o ego. Sua nave, carinhosamente apelidada de Bai, era um mecanismo híbrido, meio máquina, meio bicho, coisa antiga comparada com as intergalácticas Reeves ou com as Elons. A vantagem de Bai era a capacidade de se metamorfosear, de acionar sua transluscência ajustando-se convenientemente a qualquer ambiente ou situação. Não existiam naves iguais a ela – único exemplar construído pelo bisavô, lendário desbravador espacial – por isso, cobiçada por muitos. Fato exemplar: seu hibridismo estava associado ao DNA de seu criador e, portanto, apenas descendentes diretos ou indiretos de Kat I conseguiam comandar seus motores.
Billy Kay, como era conhecido, não se considerava mercenário; era apenas um homem com interesses vinculados à moeda de maior cotação do universo conhecido, o musk. Um único musk comprava meia dezena de intergalácticas. Como explorador, garimpava artefatos em planetas mortos, cujas civilizações haviam sido destruídas, ou por catástrofes naturais, ou por guerras entre seus habitantes. Guiava-se por cartas celestes, que continham as rotas mapeadas pelo pai e os registros de viajantes, historiadores de planetas onde a possibilidade de haver algum objeto de valor era grande. Mantinha-se fora de confusões, muito embora elas o perseguissem onde quer que estivesse.
Quando Bai acionou os alertas e o modo transluscência estavam entre a Anã do Cão Maior e Andrômeda. Em seus radares holográficos multicoloridos, mais de uma centena de pontos móveis grandes e pequenos. A zona era neutra, contudo, a formação em V dos grupos de pontilhado indicava uma frota de guerra Centauro.

O Coração de Sayuri
A floresta da Solidão é uma floresta fechada, com árvores frondosas e poucas trilhas internas. Existem muitas cavernas desconhecidas cujos caminhos se bifurcam fazendo os exploradores se perderem em seu interior.
Haiato, homem maduro, já experiente pelas inúmeras viagens exploratórias, conhece as florestas de muitos lugares como a palma de sua mão. Desde adolescente, mapeia a geografia de lugares misteriosos, cujas histórias estão envoltas em fatos extraordinários ou incomuns. É sua especialidade e sua única paixão.
Está prestes a empreender uma jornada pela Solidão enumerando as aberturas em torno da montanha que a acolhe. Os moradores dos arredores relataram as tragédias e atribuem os desaparecimentos a uma jovem, Sayuri.
― É a dama da Solidão. Se a vir, não a siga. Apenas deixe-a onde a encontrar – advertiu o homem grisalho.
― É um fantasma?
― Ela carrega o coração da montanha. Não se apaixone.
Haiato é corajoso e prudente. Não acredita em sobrenatural e inicia sua jornada pela trilha mais visível. Vai desenhando seu próprio mapa, fazendo anotações sobre o papel do último registro geográfico feito, coisa de mais de dez anos. O mapa, já amarelado, contém meia dúzia de linhas. Ele espera completar os registros e apresentar o mapa ao contratante em menos de um ano, média de tempo já calculada.
Os primeiros dias foram tranquilos. Saia cedo do acampamento próximo à vila, trilhava até atingir determinada distância e retornava à noite. A medida em que adentrava a mata, sentia as horas acelerarem. Suas marcações diárias eram sempre as mesmas, mas a escuridão da noite engolia o dia cada vez mais rapidamente.
Decidiu pernoitar, montar acampamento no ponto de parada do dia e seguir pela manhã para ganhar tempo. E foi na segunda noite que tudo aconteceu.
Créditos das imagens: Evelyn Postali