
Quando a filha adoeceu, José soprou o vidro e construiu uma borboleta multicolorida.
Soprar vidro era seu trabalho, moldando com a zarabatana e usando um maçarico. Homem, matéria e fogo se transformavam na feitura de cristais naquela fábrica já centenária. O encantamento dos clientes sustentava a fama de artesanato especial e de grande valor.
A borboleta não media mais do que vinte centímetros de envergadura de asa e assentava-se em um pedestal igualmente fino, de base redonda. Uma escultura frágil, recortada por um fio negro a perpassar suas cores, definindo o design das asas.
Transformar a matéria era mais simples do que transformar a situação. Soprar vidro e soprar vida eram coisas completamente diferentes. Momentos antes de a pequena Letícia respirar pela última vez, José viu a borboleta despencar da prateleira do quarto e os cacos, iluminados pelo sol, refletirem as cores nas paredes.