“O trabalho dessa noite não será fácil, pensa enquanto sobe os degraus da Abadia de Westminster numa peregrinação silenciosa e solitária.
Ao chegar ao topo, retira seu chapéu e capote encharcados devido à chuva de poucos minutos atrás. Após averiguar se o cocheiro já partira, o homem respira fundo, faz o sinal sagrado e entra na catedral londrina. Senta-se naquele confessionário, onde o encontraria.
Ele coloca suas luvas de couro, retira sua arma do bolso e a aponta para a treliça:
— Perdoe-me, padre, pelo pecado que cometerei agora.”
— Mas que bosta! — Você arranca o papel da máquina de escrever e o amassa com raiva. Joga-o para longe como se quisesse acertar o monstro que ronda a semana: a incapacidade de retomar a escrita de forma efetiva. — Droga! Isso está longe de ser o parágrafo que quero. Longe de ser o ideal.
As mãos invadem os cabelos e os olhos se fecham. Tudo o que deseja é colocar aquelas palavras do jeito certo. As ideias estão bem dentro de seu cérebro. É uma questão de tempo. Disciplina, você pensa.
Recosta-se na cadeira. Respira fundo e toma a folha de papel, segurando-a por um instante. A brancura lhe faz lembrar o vazio daquela casa.
Recoloca a folha. Gira o rolo. Alinha-a. Puxa o ar para dentro como se fosse aquele café não tomado por falta de pó. A garrafa de uísque em cima da mesa tem o poder de lhe prender o olhar. Um convite tentador.
— Não! Não preciso. Hoje escrevo sóbrio — você diz em voz alta, convencendo a si e aos fantasmas a lhe assombrarem.
O som dos dedos batendo nas teclas marca a imprecisão. Os tipos batendo no papel desfazem a mudez do espaço. A datilografia é lenta. Você devia ter feito um curso técnico. Não seria mal saber bater nas teclas usando dez dedos ao invés de seis.
“O trabalho dessa noite não será fácil, ele pensa enquanto vence cada um dos degraus da Abadia de Westminster numa peregrinação silenciosa e solitária. Ao chegar ao topo, retira seu chapéu e capote, encharcados devido à chuva de poucos minutos atrás. Após averiguar se o cocheiro já partira, o homem respira fundo, faz o sinal sagrado e entra na catedral londrina. Senta-se no confessionário, onde consegue encontrá-lo.
Ele coloca as luvas de couro, retira sua arma do bolso e aponta-a para a treliça:
— Perdoe-me, padre, pelo pecado que cometerei agora.”
Ao parar de escrever, você olha para as linhas. Lê em voz alta o texto e um novo palavrão salta da boca.
— Puta merda!
Levanta de forma brusca e a cadeira vai ao chão.
O primeiro parágrafo não deveria ser um suplício. A história está toda dentro da cabeça. É uma questão de tempo para transpor a barreira e descansar no papel. Só uma questão de tempo. Tudo é uma questão de tempo. Até Vera foi uma questão de tempo.
Um gole de uísque. Você definitivamente não tem palavra. E outro, para contrariar a promessa feita. Um cigarro também ajuda. Você é dramático por natureza. Fica pior a cada ano. A cada livro.
Você vai até a janela e repara na rua. Está escura outra vez. Alguém acertou a lâmpada da esquina na madrugada de ontem. Repara as janelas do prédio da frente. A vizinha deixa a toalha de banho no peitoril da janela para o porteiro saber quando o marido faz frete. O morador do segundo andar ainda está em frente da TV. Nada muda e você se nega a entrar naquele jogo e mergulhar no marasmo para morrer na praia.
O jeito é encarar a escrita de novo. Você não tem escapatória. Tem um prazo a cumprir. But I have promises to keep. And miles to go before I sleep. Você ri e olha para a máquina.
“Ele constrói cada trabalho em uma peregrinação silenciosa e solitária. Olha para o alto e a Abadia de Westminster lhe devolve o ar soturno. O trabalho dessa noite não será fácil, diz a si mesmo ao vencer os últimos degraus. Ao chegar ao topo, em frente à porta, retira o chapéu e o capote. Ouve o cocheiro dar a partida. A rua retoma o ar taciturno. Observa por um breve instante o brilho frio da chuva na calçada e respira fundo. Tira o chapéu. O sinal sagrado é feito como em um ritual imprescindível.
Dentro da catedral londrina, senta-se no interior confessionário, onde consegue encontrá-lo. Coloca as luvas de couro e retira a arma do bolso do capote. Aponta para a treliça:
— Perdoe-me, padre, pelo pecado que cometo agora.”
Você apoia os cotovelos na mesa cruzando as mãos e deixa o queixo descansar. Recosta-se na cadeira e encara o escrito. O brilho no olhar não é à toa.
— Feito!