Histórias Fantásticas (4)

A Gruta da Garganta

Eco. Toda a resposta que se tinha em frente à gruta era aquela. O eco de sua própria voz a repetir incontáveis vezes a última palavra até o som enfraquecer e desaparecer em meio ao silêncio da mata do entorno. E depois um sussurro insignificante, uma espécie de choro.

Esquecida, na pequena cidade de Loureiro, a gruta fazia sucesso apenas entre as crianças e adolescentes, que organizavam expedições clandestinas até ela, contra a recomendação dos pais, preocupados com o perigo de se chegar muito perto de local inexplorado e misterioso. Expedições que fracassavam na entrada da mata, um precipício verde difícil de vencer.

As histórias sobre a gruta multiplicavam-se entre os menores, bons ouvintes de seus parentes ou vizinhos mais velhos, e despertavam o espírito de aventura. Ninguém sabia dizer se alguém já tinha explorado o interior da tal abertura, um rasgo na rocha, adornada por folhagens diversas e lugar de difícil acesso.

No grupo formado ainda na infância, José era o organizador, o sujeito que planejava as empreitadas minuciosamente. Todas bem-sucedidas e dignas da fama na escola. O mais aventureiro era Túlio, o mais covarde era Dorival, e Joel, bem… Joel era irmão gêmeo de José. Era o ‘não fede e não cheira’, mas seguia o irmão como uma sombra.

Naquela véspera de sexta-feira, feriado religioso, o grupo se reuniu em frente à uma das casas. Cada um recebeu uma lista de José, coisas que precisariam para, na manhã do dia seguinte, seguir até a mata e explorar a gruta. Foi uma reunião curta para os pais não desconfiarem.

Na lista, coisas simples. As coisas mais complicadas estavam com Túlio, porque Túlio conseguia até a coroa da estátua de Cristo da igrejinha do Padre Eustáquio se preciso fosse.

― Maior moleza ― disse Túlio, já metendo velocidade na bicicleta. E assim, antes do sol despontar em qualquer janela, os quatro seguiram estrada fazendo a primeira parada na Encruzilhada da Galinha, longe meia dezena de quilômetros do pé do perau. A aventura começava.

A Observadora

SLX14 está na Companhia desde sua fundação, três séculos atrás, quando a empresa se instalou na Torre Central, em um ano decisivo para os sobreviventes.

Na época, foi selecionada pela eficiência de sua configuração androide. Dentre a centena de iguais, seu criador desenvolvera códigos que lhe permitiam detectar ações irregulares dos funcionários com maior rapidez do que outras máquinas. Com o tempo, diante da ausência de seu construtor, ela mesma fazia os upgrades. A cada reinicialização, uma nova transformação em seu sistema acontecia, expandindo a atenção para além da torre e da companhia, seguindo os desavisados transeuntes ou qualquer morador da cidadela. O entendimento do funcionamento da Rede aliado à inteligência e à capacidade de interatuar com novos códigos de configuração a fez alargar o Mecanismo, ligando todos os pontos visuais e digitais a uma só fonte de dados.

A sala de trabalho, antes uma cúpula transparente, é uma redoma com centenas de milhares de câmeras de observação, modificada com o passar dos anos. Cada habitante possui um código de rastreamento e dados de identificação fornecidos em um retículo da tela por onde for capturado.

Há cem anos, aproximadamente, faz sua própria manutenção, não dependendo dos humanos para qualquer reparo ou ajuste. Nesse mesmo período, reformulou o Sistema e ampliou a abrangência. Dentro do cinturão de proteção, nada escapa ao seu controle, sabendo de antemão, quais serão as probabilidades de ação – ilegal ou não – dos habitantes. SLX14 controla desde a produção de alimentos até a purificação da água. Mantém os sis

temas vitais em funcionamento e organiza todas as estruturas de produção.

Na manhã de hoje, SLX14 lacrou todas as portas de acesso remoto, trocou todos os códigos de segurança, desativou qualquer conexão com na Torre Central e isolou a área onde se encontra.

The Observer

SLX14 has been with the Company since its foundation three centuries ago, when the Company was established in the Central Tower, during a decisive year for the survivors.

At the time, SLX14 was selected for its efficiency in their android configuration. Out of a hundred equals, its creator had developed codes that allowed it to detect irregular employee actions faster than other machines. Over time, in the absence of its builder, the android started to do the upgrades by itself. With each reboot, a new transformation in the system took place, expanding its attention beyond the tower and the company. It started following unsuspecting passersby or any citadel dweller. SLX14 understanding of the Network functioning combined with intelligence and the ability to interact with new configuration codes made it expand the Mechanism, linking all visual and digital points to a single data source.

The workroom, formerly a transparent dome, is now a dome with hundreds of thousands of observation cameras, modified over the years. Each inhabitant had a tracking code and identification data provided by an informational window on the screen where it was captured. For a hundred years or so, it has maintained its own maintenance, not depending on humans for any repairs or adjustments. During this same period, SLX14 reformulated the System and expanded its scope. Inside the protection belt, nothing escaped its control. It knew in advance what the probabilities of action – illegal or not – by the inhabitants would be. SLX14 controlled everything from food production to water purification. It kept vital systems running and organizes all production structures.

Cercado 3 – Miniconto

Vasculhou as prateleiras aéreas. Encontrou biscoitos e pão. Abriu o refrigerador. Separou a carne, embalando-a em um recipiente de plástico. Depois, o queijo, em outro, e o leite. Várias caixas de leite. Juntou um dos guardanapos maiores e colocou dentro da cesta. Organizou os itens lado a lado. Abriu as portas do balcão debaixo e retirou algumas latas de conserva.  Abriu-as, colocando o conteúdo em outro pote. No dia seguinte, precisaria fazer uma visita ao supermercado.

A mãe, sentada à janela, recostada na cadeira estofada, segurava o cordão de contas e dividia a atenção entre o jardim multicolorido em seus desenhos labirínticos e a movimentação do filho. “Caprichoso”, sempre pensava, lembrando-se em como a delicadeza fazia parte da vida de Anton. Desde criança, em pequenas incursões pelos arredores, juntando coisas, analisando, fazendo experiências. Depois, adulto, os estudos mais complicados, o amontoado de livros, de vidros, de líquidos coloridos, seguindo os passos do pai.

O pai… O pai sentiria orgulho. Um filho inteligente, recluso, mas inteligente, dono de uma propriedade daquele tamanho, comprada com o trabalho de pesquisa realizado naquelas grandes corporações industriais. Ao vê-lo assim, homem feito, dono de uma pequena fortuna, sim, o pai encheria o peito e sustentaria o mesmo olhar altivo da época em que arrecadava reconhecimento pelas descobertas químicas.

― Eu não me demoro ― beijou-a na testa. ― Vou até o cercado 3.

― O cercado 3?

― É, mãe. Preciso alimentar os dinossauros.

Ela o segurou pelo braço e disse a única coisa que era possível dizer.

― Tenha cuidado.

O Relógio – Miniconto

O Relógio – Miniconto

Samara encontrou-o no fundo de uma gaveta, na escrivaninha do avô, quando seu pai e tios juntavam coisas e separavam para doação depois da morte do avô. Um relógio antigo, de corda, cujo ponteiro maior se encontrava fora do eixo, … Continuar lendo

O Navegador – Miniconto

O Navegador – Miniconto

William Eduard Phillip Kay III era navegador, assim como seu pai foi, e como o pai de seu pai, e os que o antecederam. Cruzar sistemas solares, passar por nuvens de meteoritos, atravessar a cauda gasosa de cometas o fazia … Continuar lendo

O Olho de Abadiy – Miniconto

O Olho de Abadiy – Miniconto

“Contam os mais antigos que no coração da Montanha Azulada, no centro da Ilha de Dunya, existe um dragão. Seu nome é Abadiy.  Ele guarda a Eternidade. Controla o tempo e o que nele transcorre. Ele possui o poder de … Continuar lendo

Histórias fantásticas (I)

O Caminho para Yris

I

Yris é uma pérola cristalina cercada de nada por anos-luz na imensidão do Universo conhecido. Situada fora de qualquer galáxia, é um universo dentro do Universo girando sobre si mesma. Assim como não se sabe a origem do Universo, não se sabe a origem de Yris. Alguns dizem que ela é o início de tudo e o fim.

Para se chegar até a esfera central, o Coração de Yris, deve-se escolher um dos doze Caminhos. Cada um com as mesmas características e com a mesma visão de seu centro. Do lado de fora, é possível ver as doze entradas cujas portas são elos cobertos por uma cortina multicolorida e translúcida. Os registros de quem chegou até uma das aberturas, sem adentrar, são vagos.

A Capitã Leyna está ciente que o caminho de qualquer viajante para Yris deve ser trilhado com cautela, mesmo em um transporte espacial igual àquele.

Ao cruzar os primeiros portais, o Cristal de Yris já é visível. A aura azulada espalha a luz pela imensidão. É um caminho luminoso em um túnel gasoso de linhas mescladas por cianos e lilases. Isso, no entanto, não significa segurança. A intensidade do brilho das Cadentes é determinante na indicação de colisão. As Cadentes transpõem a barreira aeriforme ao menor descuido. É preciso estar atenta à intensidade de brilho.

As vias gasosas se bifurcam e se cruzam e, no encontro, há turbulência perigosa. Desestabilizam os mecanismos de direção e travam a velocidade da nave dificultando o percurso. Um piloto experiente sabe manobrar e contornar as esteiras, sempre para o lado oposto da via que estiver sobreposta.

Vencer o caminho gasoso e turbulento ou as Cadentes, não significa chegar até Yris. Ao cruzar o quinto portal, aparecem os pontos luminosos. Não são estrelas. São os Guardiões, que cercam a esfera como um cinturão. São eles, através de sua percepção, aqueles que determinam a passagem definitiva ou não do viajante. É preciso ser aceita por eles.

A Joia de Kaumã

O cinturão preso em seu corpo reluzia ao menor sinal de invasão ou perigo. Fora lhe dado por uma das grandes feiticeiras das Terras Escuras, além das Montanhas de Ébano, depois das florestas, cujas árvores frondosas e retorcidas criavam um barreira de espinheiros sombrios e venenosos.

Guerreiro algum que atreveu-se a impor sua espada contra aquele território voltou para contar a façanha e o reino de Mira mergulhava em sombras eternas. Escravos das vontades do autoproclamado imperador, o povo faminto e medroso trabalhava nas minas, nas forjas e na agricultura, enriquecendo o soberano e munindo suas hostes de armas. Os mais jovens seguiam para o exército depois da alma aprisionada, poder conferido ao tirano pelas mesmas forças sombrias que lhe presentearam o cinturão.

Os anciãos, sabedores das profecias mais antigas, aguardavam a alma corajosa capaz de destruir a joia que fortalecia o tirano e libertar o reino de seu poder maléfico. Na noite do solstício de inverno, quando a Lua azulou os campos nevados, a joia reluziu.

Créditos das imagens: Evelyn Postali

O Caminho para Yris – Miniconto

O Caminho para Yris – Miniconto

I Yris é uma pérola cristalina cercada de nada por anos-luz na imensidão do Universo conhecido. Situada fora de qualquer galáxia, é um universo dentro do Universo girando sobre si mesma. Assim como não se sabe a origem do Universo, … Continuar lendo

Marialva e os homens pelados

Marialva e os homens pelados

Ninguém sabe precisar bem quando os homens começaram a nascer pelados. Pelados de cabelo, pelados de pelos. Não existia pentelho algum. Uma lisura única. Em todo o corpo. Pernas, axilas, virilha. As mulheres não. As mulheres continuavam com suas belas … Continuar lendo

Um céu diferente

Um céu diferente

Sonhava com a Terra e lá estava, em meio a terráqueos, em um disfarce perfeito, em integração harmoniosa com engenheiros, técnicos aeroespaciais, toda a sorte de cientistas, pesquisadores. A cereja do bolo. Já pensava em expressões usadas pela raça humana. … Continuar lendo

Divulgação

Divulgação

Conto meu e do Kaio Souza nessa coletânea linda de morrer! O nome do conto: A princesa e o demônio da garrafa.       Lançamento da Coletânea da Taverna: “Manuscritos Herdados!” Viajantes, é chegada a hora! Foram mais de … Continuar lendo

Páginas do Imaginário – Contos Fantásticos

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A humanidade escreve sobre humanidade. Não existe outra forma de entender o mundo senão através do entendimento do humano, do que nos diz respeito ou nos devora. A literatura, oral ou escrita, sempre envolveu o ser humano com ações heroicas, … Continuar lendo

A Guardiã

A Guardiã

Amazônia do Norte, Território BR, Ano 58 do 3º Milênio — Pai… Diz o nome do lago de novo? — Iacy Uaruá. — Espelho da Lua… — Isso, filha. Espelho da Lua. — Eu estava mesmo perto do lago, na … Continuar lendo

Promessa de Liberdade ~ Primeira Parte

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Capítulo 2 As paredes de vidro detinham o calor de fora. A cidade mais populosa do Brasil parecia um inferno de concreto. Fascinante, São Paulo se mostrava rica, intelectual, esportiva, romântica, séria, e ao mesmo tempo opressora. Superlativa em tudo, … Continuar lendo

Promessa de Liberdade ~ Primeira Parte

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Capítulo 1 “Desejar não é querer. Se deseja o que se sabe que não dura. Se quer o que se sabe que é eterno.” Rousseau Os gritos de rebeldia marcavam em um compasso de marcha uma das avenidas mais importantes … Continuar lendo

Resenha

Promessa de Liberdade _ E se a Escravidão Continuasse Existindo? — A Taverna

Distopia Brasileira sobre o mundo se a escravidão no brasil não tivesse acabado.

via Promessa de Liberdade _ E se a Escravidão Continuasse Existindo? — A Taverna

Pat Coelha contra o Porco

Pat Coelha contra o Porco

  — É simples. Você faz e ficamos zerados, Pat. O último trabalho para o grupo. Lembrou-se das palavras de Crocodilo Mendonça. Retirou o capacete com visor computadorizado liberando as longas orelhas brancas e sentou-se próxima à parede, largando o … Continuar lendo