
Vila de São Simão, RS.
23 de dezembro de 1910
Da pequena vila de São Simão até onde morava, Giuseppe precisava pedalar quinze quilômetros. Parte do trajeto na bicicleta, parte conduzindo o veículo, morro acima. Trajeto penoso, mas bonito de ver. Ladeada por capoeiras e lírios brancos, cajados de Giuseppe, naquela época do ano, lembrava-se de sua mãe e da devoção ao santo. Que Deus a tivesse ao lado Dele, sussurrava, e fazia o sinal da cruz.
Naquele começo de tarde, vencida a última subida, seguia com as ferramentas e os pregos enrolados em uma sacola de pano e alguns pedaços de madeira ajeitados com cuidado entre o guidão e o ferro do selim. Tentava não perder o equilíbrio naquela estrada estreita de terra e pedregulho.
Avistou o sujeito depois da curva e reduziu a velocidade. O homem alto, de barba mal feita, vestido com roupas simples, parou a caminhada e sorriu. Levava uma mala surrada e um saco às costas.
— Tarde!
— Boa tarde. — Educação ainda tinha um pouco, apesar da desconfiança inicial. Giuseppe balançou a cabeça em um cumprimento discreto. Não era nada comum encontrar negros ali pelas redondezas. — Tá perdido?
— Não. Só tô seguindo.
— Por esses lado não tem estrada que segue. Essa vai dá lá em casa.
— Acho que vô descansá debaixo duma árvore e vortá pro caminho quando refrescá, ou amanhã de manhãzinha.
— Melhor não. Não tanto pelos mosquito, mais pelas cobra. O calor faz elas saí. Tá andando faz tempo?
— Tô no trecho desde cedo.
Giuseppe, apesar de agricultor sofrido, verdade seja dita, mas procurava manter vivos os ensinamentos tanto da mãe quanto do padre. Apesar de não ter muita simpatia por gente de cor, o sujeito parecia em pior situação:
— Pode descansá no porão de casa e segui de manhã cedinho.
— Carece não sinhô.
— Não é bom passá a noite no tempo.
— Se não trapaiá, aceito a oferta.
— Tem mais um caminho ainda pela frente. Como é teu nome?
— Nico. Nicolau de Jesus, o seu criado.
E nem bem terminou de responder, Giuseppe reconheceu a voz do filho mais velho o chamando.
— Pai! Pai! — O garoto corria e gritava.
Giuseppe largou a madeira e pedalou ao encontro dele. Nico recolheu as tábuas e seguiu na mesma direção.
— Pai!
A freada fez a poeira levantar.
— Que foi? — Largou a bicicleta e agarrou o menino pelos ombros. — Que aconteceu? Fala, piá!
O menino puxou o ar para refazer-se da corrida e o andarilho chegou a tempo de ouvir o final da conversa.
— Lucas não tá bem. Nem acorda. A mãe mandô encontrá o senhor.
Giuseppe deixou a sacola com o filho sem importar-se com coisa alguma. Em poucos instantes desapareceu depois da curva da estrada. O menino analisou o estranho de cima a baixo. Calado, jogou a sacola no ombro.
— Eu levo a madeira pro cê — o forasteiro sugeriu. — Como ocê chama?
— João.
— Muito bão, João. Vamo apressá o passo pra ajudá o seu pai. O que cê acha?
Com um sim pouco animoso, o menino seguiu em silêncio, sequer curioso por saber quem era o estranho. Vez ou outra, olhava-o de atravessado, mas apesar do ar receoso, seguia em frente. Se o sujeito estava com o pai, não tinha problema.
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