― Empreste-me suas asas para que eu conheça as alturas e percorra, mais veloz, as distâncias, passando por cima do arvoredo e das casas.
O Gato fez a proposta em uma manhã preguiçosa de verão, debaixo da laranjeira, entre as pedras e flores da dona Nô. Todos os dias observava os pássaros das redondezas. Ambicionava as asas, coisa em falta desde nascença. Questionava-se sobre a injustiça de alguns terem recebido instrumento tão precioso e não terem pretensão maior além de apenas voar de um lado para outro, em vida tão simples, tão comum.
A avezinha inclinou a cabeça em gesto delicado, atenta ao falar manso daquele bichinho peludo, de olhar encantador.
― Então ― recebendo o silêncio como um ‘não’ ―, ensine-me a voar, Passarinho. Sou aluno aplicado; aprendo fácil.

― Se quer mesmo aprender a voar deve saber que o segredo do voo não está nas asas.
― Se não está nas asas, onde está?
― Está dentro de você ― respondeu o Passarinho.
― Que tipo de professor de voo é você, afinal? ― e deu um salto. Agarrou-se na madeira da grade, afugentando a ave.
De cima da cerca, ficou a observar o voo e a desejar as asas.
Créditos das Imagens: Evelyn Postali