Das lembranças da infância, guardadas com cuidado, a casa da minha avó é a mais carinhosa, a mais singela e a mais presente. Ela é grande, e forte, e mágica em minha memória; construída em madeira, com janelas simples e cômodos iluminados, ergue-se imponente em vozes, olhares e sorrisos em cada passagem, em cada tecido da mesa de costura, em cada movimento das agulhas ou navetes; em cores, sons, cheiros.
Nela, é possível subir escadas intermináveis para lugares misteriosos ou abrir portas de fechaduras estranhas para depósitos de bugigangas incríveis. É possível debruçar-se na janela para ver a correnteza da água da chuva na sarjeta, carregando barcos de papel e soldadinhos de chumbo.
Tudo é vivo e pulsante dentro dela. Cadeiras, mesas, quadros. Guardanapos bordados à mão com fios delicados de cores suaves. Cômodas de gavetas enormes cujos tesouros podem ser vistos pelos buracos das fechaduras. Cristaleiras onde a imaginação se espelha e se pode perder-se em labirintos infinitos, de finos cristais e louças decoradas. Copos para licores que se provam em momentos festivos. Xícaras minúsculas para cafezinhos depois do banquete. Fronhas e lençóis de um branco impecável, adornados com rendas de linha fina onde, ao descansar a cabeça, sonha-se com universos distantes, castelos e criaturas fantásticas na voz de uma contadora de fábulas infantis.
Nessa casa, a mesa posta guarda um pão cuja receita jamais se repete em cozinha alguma, e onde o chá da tarde de sabor inigualável vem da Índia e se pensa cruzar mares para trazê-lo até aqui. É onde se prova broas de polvilho, cremes e bolinhos de chuva feitos por mãos hábeis, colecionadoras de receitas em cadernos de centenas de páginas.
Do lado de fora da varanda, o som da chuva vem misturado com o cheiro das flores do caramanchão – caracóis azuis e rosas e trombetas de alaranjado intenso; há também um poço a namorar um forno de barro sobre uma calçada irregular, ladeada por vasos de flores e folhagens pregadas em uma taipa coberta de musgos, tingindo de verde o coração de quem passa.
É possível, também, subir os degraus da pequena escada de pedra rumo às colinas de grama delicada, ganhar distâncias passando por canteiros de palmas multicolorindo a tarde, e varais a sustentar roupas dançantes; esgueirar-se pela floresta imaginária, percorrendo trilhas sem fim e sonhar em voar mais longe, nas costas do vento.
Assim é a casa que vive em mim: perfumada, viva, cheia de afetos e histórias. Talvez porque aos olhos de uma criança só se evidencie a essência de tudo, como deveria continuar sendo por toda a vida.