Histórias Fantásticas (6)

O Gato Azul

Ori nasceu em família de muitos irmãos e irmãs, em um terreno baldio no centro de uma grande cidade. Moradores de rua e miseráveis que eram, viviam do que encontravam em terrenos vazios ou fundos de restaurantes e da misericórdia de donas de casa sensíveis. Sua mãe, ao vê-lo pela primeira vez não estranhou a cor. Seu pai, contudo, torceu o nariz e questionou a descendência, uma vez que todos os outros seguiam o padrão: alaranjado, amarelo e branco.

Levou uma infância tranquila, apesar das brincadeiras da família sobre os tons azulados. A adolescência, no entanto, desestabilizou a convivência fazendo-o afastar-se de casa. Seu pelo alongou sedoso, ondulou e, ao vento, as ondas faziam-no parecer estar se evaporando rumo ao céu. Das ondas, nasciam pontos luminosos. Grandes, pequenos, cintilantes. Sob o sol, faíscas visíveis. À noite, sob o luar, assemelhavam-se a estrelas, competindo com o céu.

A vizinhança estranhava o gato. Criaram-se histórias sobre Ori, sobre sua natureza mágica, pertencente às bruxas e seres sobrenaturais, e multiplicavam-se tentativas de aprisionar o bichano. O sossego acontecia depois da fuga para algum lugar isolado, longe das vistas do mundo. Passou a não circular de dia. Apenas a Lua acompanhava suas caminhadas e acarinhava seu sono.

Quando completou idade de adulto, seu pelo tornou-se de um azul translúcido e o corpo ganhou leveza fazendo suas corridas e saltos mais ágeis, ganhando alturas antes não alcançadas. Por causa de sua aparência, cães corriam para longe. Os outros gatos sentiam-se protegidos na presença dele e foi assim por muito tempo. Ori não entendia sua natureza, mas aceitava o destino que lhe fora imposto.

Ao fechar-se o ciclo de 8 anos, na primeira lua cheia, as estrelas de Ori brilharam com mais intensidade. Seu pelo cintilou e ele voou para o céu. Quem o viu naquela noite conta que ele foi se desfazendo em luz e subindo, subindo, até ganhar lugar junto à Lua.

O Relógio

Samara encontrou-o no fundo de uma gaveta, na escrivaninha do avô, quando seu pai e tios juntavam coisas e separavam para doação depois da morte do avô. Um relógio antigo, de corda, cujo ponteiro maior se encontrava fora do eixo, preso apenas pelo ponteiro fininho dos segundos.

― Posso ficar com ele, pai? ― perguntou, erguendo-o alto para o pai ver do que se tratava.

― Ele não funciona, filha. Jogue no lixo.

― Mas é bonito. Posso ficar com ele?

― Claro, só não me peça para mandar consertar. Seu avô dizia que não tinha conserto.

― Ele dizia que tinha parado no dia em que ele chegou aqui ― completou o tio mais velho. ― Quando conheceu sua vó.

― Deve ter sido por amor a mamãe ― Laura disse brincando. ― Mas não é engraçado? Ele nunca se desfez dele.

Não importava muito. Ela estava encantada com o relógio. Ela o consertaria por conta. Não seria difícil abrir o vidro e encaixar o ponteiro, dar corda, ouvir o tic-tac… Seu avô talvez gostasse de saber que alguém naquela família ficaria com ele.

À noite, já em casa, no quarto, com o computador ligado e as abas de pesquisa abertas, lia com atenção o apanhado de textos sobre relógios antigos. Assistiu aos vídeos atenta e deu início àquela jornada de relojoeira amadora.

Com a ajuda de uma pinça tomada de empréstimo das coisas da mãe, abriu a parte posterior. Nela, uma inscrição bem visível: AOM, 3022. Depois de aberto, desenroscou os parafusos das duas presilhas laterais com a ponta da pinça servindo de chave de fenda, retirou o corpo do mecanismo e o deitou sobre a mesinha. Recolocou o ponteiro no lugar, tomando o cuidado de não entortar os outros dois. Acertou o horário delicadamente. Devolveu tudo ao seu lugar e parafusou nas presilhas. Restabeleceu a tampa posterior.

― Pronto! Agora é só dar corda. E o relógio brilhou.

Créditos das imagens: Evelyn Postali

O Gato Azul – Miniconto

O Gato Azul – Miniconto

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