Histórias Fantásticas (7)

Cercado 3

Vasculhou as prateleiras aéreas. Encontrou biscoitos e pão. Abriu o refrigerador. Separou a carne, embalando-a em um recipiente de plástico. Depois, o queijo, em outro, e o leite. Várias caixas de leite. Juntou um dos guardanapos maiores e colocou dentro da cesta. Organizou os itens lado a lado. Abriu as portas do balcão debaixo e retirou algumas latas de conserva.  Abriu-as, colocando o conteúdo em outro pote. No dia seguinte, precisaria fazer uma visita ao supermercado.

A mãe, sentada à janela, recostada na cadeira estofada, segurava o cordão de contas e dividia a atenção entre o jardim multicolorido em seus desenhos labirínticos e a movimentação do filho. “Caprichoso”, sempre pensava, lembrando-se em como a delicadeza fazia parte da vida de Anton. Desde criança, em pequenas incursões pelos arredores, juntando coisas, analisando, fazendo experiências. Depois, adulto, os estudos mais complicados, o amontoado de livros, de vidros, de líquidos coloridos, seguindo os passos do pai.

O pai… O pai sentiria orgulho. Um filho inteligente, recluso, mas inteligente, dono de uma propriedade daquele tamanho, comprada com o trabalho de pesquisa realizado naquelas grandes corporações industriais. Ao vê-lo assim, homem feito, dono de uma pequena fortuna, sim, o pai encheria o peito e sustentaria o mesmo olhar altivo da época em que arrecadava reconhecimento pelas descobertas químicas.

― Eu não me demoro ― beijou-a na testa. ― Vou até o cercado 3.

― O cercado 3?

― É, mãe. Preciso alimentar os dinossauros.

Ela o segurou pelo braço e disse a única coisa que era possível dizer. ― Tenha cuidado.

O Mercador de Tapetes

“I am not from here
My soul came from the land of deserts, Date trees & Oasises
I can sense it in my love of watching golden red sun sets
In my longing for the endlessness
of the desert
For The Oasis & The lone veiled passenger wandering
to give his secret of alchemy to the Worthiest”

~ Hoorayen Fatima ~

“Moro ao sul do grande deserto, a leste do único e mais antigo oásis”, respondeu Amir para a criança, enquanto escolhia os panos vermelhos.

O comércio de algodão aquece a economia de Mázaca, uma cidade situada na rota dos viajantes e mercadores do mundo. Pinturas nas paredes, esculturas de barro, espelhos de obsidiana e baixos-relevos emprestam charme às ruas de chão batido, de panos nas janelas e toldos coloridos. A cidade se estende em uma planície verdejante, rodeada de colinas com florestas ao pé de um vulcão.

“É muito longe?”

“Mais de 8 luas, pequeno Damat”, respondeu o mercador.

Amir viaja duas, três vezes ao ano dependendo da demanda. Leva especiarias da sua região e volta com tecidos e tapetes. Sua caravana é pequena, composta por 10 camelos. O mais velho e mais bem cuidado; herança de seu pai.

“Pode levar o Peregrino com você?”, apontou para o homem a poucos passos deles. “Ele precisa chegar ao oásis e você é o escolhido.”

Amir analisou o homem de muita idade em vestes modestas segurando um cajado.

“Talvez seja bom trocar a companhia da solidão pela companhia de alguém.”

O garoto não esperou. Saiu em direção ao velho, recebeu algumas moedas e desapareceu pela ruela lateral. Amir aproximou-se do homem e cumprimentou-o com reverência.

“Sou Amir, de Sharurah, filho de Emir de Najram. Minha caravana parte antes do sol. Posso colocar seus pertences em um dos camelos.”

“Tudo o que carrego está aqui comigo”, e retribui a saudação, sou ‘Shaheen’.

No alvorecer, a caravana partiu. Amir seguiu na frente, seguido de perto pelo Peregrino. Foram 8 luas de pouca conversa. O mercador, acostumado com o silêncio, entendia que o velho poupava fôlego. Ora caminhando, ora sobre um camelo, a paisagem não mudava. Areia para todo o lado, um ou outro oásis para abastecer os cantis e matar a sede. Em todo o trajeto, Amir observou o falcão sobrevoar sua caravana. “Bons presságios, Shaheen” apontou para o céu e o velho assentiu. “Uma jornada tranquila.”

“Um caminho horado,” acrescentou o Peregrino.

No último oásis, perto da hora do pôr-do-sol, o Peregrino sentou-se ao lado de Amir, aceitando o cantil e servindo-se de um pouco.

“Está na hora de eu partir.”

O sol, descendo no horizonte, avermelhava a areia e o verde da vegetação ao redor do oásis dourava.

“Estamos perto da minha aldeia. Mais um dia e meio”, explicou o mercador, atiçando o fogo. “Poderá descansar em minha humilde casa e, depois, seguir viagem.”

Nos olhos do Peregrino, o brilho do sol e do fogo se misturaram. Era velho não só pela barba e cabelos brancos.  Estendeu seu bastão a Amir. “Um presente.” Amir o tomou para si. “Aceite.” E, do alto, o falcão soltou sua voz poderosa e rouca enquanto corrupiava. “Minha jornada termina aqui e a sua começa hoje, Amir, de Sharurah, filho de Emir, de Najram. Haverá dias de luta, de tornar o espírito forte, de fazer valer a Lei.” E dizendo isso, silenciou e fechou os olhos, como se meditasse. O falcão desceu do alto e assentou-se no ombro de Amir, deslumbrado pela presença da ave e completamente arrebatado pelo momento. E quando o deserto mergulhou no último raio de sol, a poeira ao redor de Shaheen ergueu-se e ele evaporou-se junto dela.

5 pensamentos sobre “Histórias Fantásticas (7)

  1. Que descrição tão perfeita das ações no ambiente. Me deu até vontade de estar na casa do Anton, mas desisti ao saber dos dinossauros (risos). Parabéns Evelyn. Ambos são deliciosos de serem lidos. Bom dia.

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